Até ao Fim

«Até ao Fim : Destruição e Derrota da Alemanha de Hitler 1944-1945» é a última obra de Ian Kershaw, historiador britânico celebrizado pela biografia Adolf Hitler. Como um dos maiores especialistas na história do III Reich, Kershaw apontou neste livro à eterna questão de todos os que estudam a II Guerra Mundial: como é que a Alemanha manteve a sua coesão e aparente organização ao longo do último ano do conflito, e especialmente nos derradeiros dias com grande parte do território sob ocupação e os russos às portas da chancelaria em Berlim? Não é só a tenacidade da resistência militar alemã perante a esmagadora superioridade dos Aliados que surpreende. A manutenção da normalidade no funcionamento das instituições, mesmo sob terríveis bombardeamentos e o avanço constante do inimigo, é ao mesmo tempo assustadora e admirável. Não houve colapso até ao fim e Kershaw propõe diversas explicações. Se por um lado a imposição dos Aliados de uma "rendição total e incondicional" excluiu à partida qualquer tentativa de negociação e reforçou a radicalização do regime, por outro a existência de diversos poderes abaixo do Führer que competiam e se sobrepunham entre si (o Estado, o Partido, os Gauleiter, a Wehrmacht, as SS) criava um sistema com diversos graus de redundância. A esse nível, o exemplo da reacção alemã ao bombardeamento de Dresden em Fevereiro de 1945, já nos meses finais do conflito, descrito por Kershaw, é paradigmático:
"Mesmo nesta fase tardia da guerra e no caos da cidade em ruínas, o regime demonstrou uma capacidade notável para improvisar uma resposta de emergência. Foram enviadas equipas de assistência para Dresden na manhã a seguir ao ataque. Dois mil soldados e mil prisioneiros de guerra, juntamente com equipas de reparações de outras cidades da região, foram enviados de imediato. Criou-se um posto de comando e um sistema de comunicações para coordenar o trabalho. Três dias depois, estavam já a ser distribuídas seiscentas mil refeições quentes por dia. Foi declarada a lei marcial e os saqueadores detidos e, em muitos casos, executados sem demora. A terrível tarefa de recolher os cadáveres carbonizados começou, em parte, a cargo de prisioneiros de guerra. Com precisão burocrática, as autoridades da cidade recolheram e contaram os cadáveres. Mais de dez mil foram sepultados em valas comuns e nos arredores da cidade".
Embora a sua escrita seja fluída e cativante, Kershaw não resiste a um certo pendor ideológico, recorrente em obras deste género. Seja classificando os sabotadores do esforço de guerra alemão como "corajosos" para pouco depois apontar a "lógica perversa" dos generais que cumpriam as ordens militares de Hitler, seja acusando os líderes menos comprometidos com o regime (como Speer) de terem-se empenhado para prolongar ao máximo a capacidade industrial e militar do país, como se não fosse esse o seu dever. Ainda assim, este livro reflecte um monumental trabalho de pesquisa, com inúmeras referências a diários, correspondência e relatórios, que dão uma imagem vívida do complexo mosaico que era a sociedade alemã durante a guerra. Lamenta-se apenas a ausência de quaisquer referências às acções ou registos de voluntários estrangeiros que lutaram sob a bandeira do Alemanha nacional-socialista (recorde-se que 368 000 voluntários estrangeiros combateram pelas Waffen-SS, sem contar com os estrangeiros colocados no Exército regular como os espanhóis da Divisão Azul, um número impressionante quando comparado aos 35 000 das Brigadas Internacionais da Guerra Civil de Espanha).
Há quem diga que já tudo foi escrito sobre o III Reich. Este livro, com as suas mais-valias e defeitos, confirma que a distância temporal é fundamental para retratar esta época da História sem preconceitos e desvios ideológicos.

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