Os diários de Turner



«I Bet You Look Good on the Dancefloor», Arctic Monkeys.

Através de um magnífico artigo do The Guardian, fiquei a saber que já passaram dez anos desde que os Arctic Monkeys lançaram o primeiro single. Os Arctic Monkeys são para mim um caso especial. Comecei a ouvi-los através de umas versões bootleg de qualidade duvidosa sacadas do eMule e desde logo fiquei apanhado por aquela banda de miúdos praticamente da minha idade. A partir daí nunca deixei de os seguir com atenção, de tal forma que aconteceu algo curioso: à medida que a banda de Alex Turner evoluía do rock adolescente dos primórdios, que ilustrava o quotidiano com riffs de guitarra e calão de Sheffield, para uma sonoridade mais densa e mais negra, feita de sombras e ecos perdidos, também o meu gosto musical amadureceu, alargando horizontes num processo de crescimento paralelo. Pelo meio, tornou-se difícil enumerar as músicas que marcaram acontecimentos da minha vida. Hoje em dia, cinco álbuns depois, os Arctic Monkeys ainda são das bandas que mais ouço.

Lições de destruição criativa

É sabido que em Portugal tudo muda para ficar na mesma. No entanto, parece estar em curso um inédito processo de reconfiguração que pode mudar para sempre a paisagem política no nosso país. Já havia alguns sinais, mas poucos os levaram a sério. Em Junho de 2014, na sequência das eleições europeias e do desafio à liderança de António José Seguro, João Lopes escreveu um texto sobre «a morte anunciada do PS» que lido a esta distância parece brutalmente premonitório.

Na actual estratégia de «poder a todo o custo» dos socialistas, a «aliança de esquerdas» e a eleição de Ferro Rodrigues para Presidente da Assembleia da República podem parecer passos lógicos, mas constituem golpes nos alicerces do regime cujas consequências a longo prazo são difíceis de prever. Alain de Benoist invertia o princípio de Clausewitz para afirmar que «a política é a continuação da guerra por outros meios». E se até em guerra há regras (não) escritas e convenções reconhecidas, é absolutamente natural que os acordos de cavalheiros façam parte da praxis política. Numa altura em que se quebram com estrondo tradições que durante 40 anos equilibraram o sistema, é legítimo perguntar como será feita a partir de agora, por exemplo, a nomeação da administração da Caixa Geral de Depósitos ou a eleição dos juízes do Tribunal Constitucional, cuja composição até hoje reflectia os equilíbrios do chamado arco da governação. António Costa, na sua sede de poder, abriu a Caixa de Pandora e o cliché é irresistível: a partir de agora nada será como antes.

Dois pesos e duas medidas

À esquerda houve grande indignação com a comunicação do Presidente da República, especialmente com aquilo que consideram ser uma exclusão inaceitável da CDU e do Bloco de uma solução de governação. Lembra o Mr. Brown, e bem, que há 15 anos, quando cabia a Portugal a presidência da União Europeia, o Primeiro-Ministro António Guterres apareceu nas televisões com ar grave para ameaçar a Áustria de suspensão de contactos políticos caso o «governo de Viena [viesse a] integrar elementos do partido de extrema-direita de Joerg Haider». Um partido que tinha acabado de obter em eleições um resultado de 26,9% (1 244 087 votos). Na altura, perante os aplausos do mainstream político, o líder do PS afirmou até «que a UE não é apenas um mercado único e uma moeda única, mas "uma União baseada num conjunto de valores e de princípios e uma civilização comum"».

Por muito injusta e anti-democrática que seja a política de «cordão sanitário», constitui uma prática corrente em muitos países europeus. Basta lembrar os casos do Vlaams Belang na Bélgica e do Front National em França, que se vêem repetidamente excluídos de quaisquer soluções de coligação pelas restantes forças políticas. Esses casos, longe de serem uma novidade, nunca suscitaram a mais pequena indignação por parte dos que agora criticam Cavaco Silva. Antes pelo contrário. Todos os partidos são iguais, mas há alguns mais iguais do que outros, não é?

A grande fuga em frente

Desconhece-se se os dirigentes do PS que apostam tudo na «maioria de esquerda» o fazem por simples mau-perder, por receio que eventuais entendimentos com o PSD e o CDS possam conduzir a uma pasokização do partido, ou se acreditam genuinamente que um governo viabilizado pelos comunistas e pela esquerda folclórica pode de facto ter um futuro para além do primeiro orçamento. Talvez seja um pouco das três. Do que não há dúvidas é que António Costa está a jogar tudo pela sua sobrevivência política.

Embora a solução de governo defendida pelo PS tenha toda a legitimidade no quadro da aritmética parlamentar (#thisisnotacoup), apresenta contudo grandes riscos para o partido e para o país. Como bem lembrou Carlos Zorrinho num raro momento de lucidez, as grandes vitórias eleitorais socialistas — com Soares, Guterres e Sócrates — foram alcançadas sempre que o partido se posicionou ao centro. No actual contexto, uma «casa comum da esquerda», para além de abandonar ao PSD e CDS uma parte importante do eleitorado (que não se revê nem no modelo venezuelano nem nas filas dos multibancos gregos), vai colocar o PS na posição de refém do PCP e do BE. Estes, a partir da tomada de posse, terão automaticamente uma pistola apontada à cabeça do governo socialista e uma longa lista de coloridas reivindicações difíceis de cumprir num país sujeito a apertados compromissos internacionais. Não é por acaso que a esquerda radical tem mostrado grande entusiasmo perante esta hipótese de governo.

Que Costa, depois de uma campanha desastrosa e de um resultado eleitoral humilhante, persista nesta estratégia é compreensível. Já pouco tem a perder. Que exista no PS gente com ambições políticas que acredite no sucesso desta solução parece mais difícil de entender. Que ninguém no PS pareça seriamente empenhado em desafiar a liderança e travar este processo, só mostra que o partido bem merece acabar.

Vezes Dez



«Bloodflood Pt. II», Alt-J.

Corre a história que, em menos de um ano, os Alt-J vieram três vezes a Portugal, sempre a multiplicar o cachet por dez. Tudo começou em 2012 quando, ainda ilustres desconhecidos, estiveram em Barcelos para o Milhões de Festa. Uns meses depois, com «An Awesome Wave» a vencer o conceituado Mecury Prize, subiram ao Tivoli por ocasião do Vodafone Mexefest. No Verão de 2013, perante uma multidão, actuaram no palco secundário do Optimus Alive. Caso de popularidade súbita e improvável, com uma sonoridade muito vincada e um nome cheio de pretensiosismo hipster, houve logo quem visse nos Alt-J um fenómeno passageiro como tantos outros, um cometa que risca o céu e logo desaparece. Fizeram-se profecias de um declínio tão vertiginoso quanto a ascensão. No entanto, as notícias da morte da banda britânica foram manifestamente exageradas. Em 2014, mesmo apesar da perda de um elemento, superaram a difícil prova do segundo disco ao editar «This Is All Yours». É de lá que é extraído esta «Bloodflood Pt. II», reinvenção engenhosa de uma faixa do álbum de estreia.

Angola não é nossa

O caso de Luaty Beirão e dos presos políticos de Angola não serviu apenas para expor o controlo angolano sobre a generalidade da imprensa portuguesa. À honrosa excepção do Público e do grupo Impresa — curiosamente alvos frequentes da imprensa oficial angolana —, para os restantes meios de comunicação portugueses o caso tem sido uma mera nota de rodapé.
Ficámos também a saber que há pessoas, como o escritor José Eduardo Agualusa, que acham que o governo português deve tomar uma posição sobre esta situação. Por muito revoltante que seja este caso, Angola é um país soberano e independente. A sociedade portuguesa e a sociedade angolana têm todo o direito de se mobilizarem contra esta injustiça, que pôs a nu o simulacro de democracia existente em Luanda, mas a verdade... é que foi para isto que se fez o 25 de Abril.