Fogo Posto

Visto que as smartshops são estabelecimentos que fintam a legislação para comercializar substâncias alucinogénicas que não só podem ter consequências permanentes e irreversíveis para a saúde como representam em muitos casos uma porta de entrada para as drogas duras, esperava-se que fosse apenas uma questão de tempo até essas lojas começarem a ser alvo do mais simples vandalismo. Entretanto, a imprensa portuguesa parece ter despertado para o fenómeno e nos últimos tempos têm sido publicadas diversas reportagens que descrevem o negócio das smartshops. Após a reportagem da TVI emitida na última segunda-feira à noite, verificou-se o primeiro caso de fogo posto. Só que em vez de ter um desses estabelecimentos como alvo, o ataque visou as instalações de uma associação de reabilitação de toxicodependentes, cujo director tinha criticado as smartshops alertando para o perigo que «representam para os adolescentes e respectivas famílias».

Aborto Ortográfico

Quem já experimentou, sabe que é um tormento ler um livro técnico de engenharia traduzido para português do Brasil. O esforço de interpretação é de tal forma exigente que, muitas vezes, é preferível utilizar a versão inglesa do manual. Para além da sintaxe, existem incontáveis diferenças ao nível dos termos técnicos (torque em vez de binário, só para dar um exemplo). Embora seja um problema recorrente em outros campos, pode ter implicações perigosas, como no caso dos manuais de utilização de equipamentos médicos. Sob pretexto de unificar a grafia da língua portuguesa, o Acordo Ortográfico ignorou completamente as diferenças entre a terminologia técnica, o que pode provocar equívocos como os que são relatados pela tradutora Paula Blank, num interessante texto de opinião publicado pelo Público e disponibilizado pela página da Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) contra o Acordo Ortográfico.

Campeão

Durante quase uma década, Lance Armstrong foi o ciclista mais controlado do planeta. Nos quatro cantos do mundo, dentro e fora de competição, de dia e de noite, através de sangue ou urina, Armstrong foi sujeito a centenas de controlos anti-doping sem nunca acusar positivo. Venceu sete Tours de France, sempre de forma transparente e com inquestionável fair-play. Na sequência de um processo da agência norte-americana antidopagem, o Presidente da União Ciclista Internacional (UCI) decidiu retirar as sete vitórias da Volta a França de Armstrong, acrescentando que o seu nome «merece ser esquecido». Engana-se. Armstrong pode ser banido e as suas vitórias apagadas dos registos, como aquelas fotografias retocadas da União Soviética, mas as suas Voltas não serão apagadas da nossa memória. Por muito que queiram, será sempre um campeão.

Leituras que fazem falta

Faço parte de uma geração que, demasiado jovem para ter lido o jornal, cresceu com saudades d'O Independente. Não só pelo que foi, mas principalmente pelo que nos contaram que foi. Pelo que representou. Assim sendo, vale a pena ler estes dois artigos editados pelo i sobre o O Independente. Ainda por cima publicados no dia seguinte à greve dos jornalistas do Público, confirmam que certas notícias da morte do i podem ser manifestamente exageradas.

Provérbio da época

Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

Imprensa Pussy


É difícil não simpatizar com as Pussy Riot. Acarinhadas por toda a imprensa ocidental, contam ainda com o apoio declarado de uma extensa frente cultural, que vai desde artivistas como Madonna e Peaches até aos insuspeitos Franz Ferdinand. Incorporando uma estética punk que combina uma atitude iconoclasta e provocadora com a contestação ao rumo da Rússia de Putin, as Pussy Riot tornaram-se as novas heroínas do Ocidente. Assim, a mesma imprensa que condenou o obscuro filme amador que retratava Maomé como um louco sanguinário, rendeu-se aos encantos das meninas que foram encapuçadas para a Catedral de Moscovo gritar contra Putin. Não se estranhe por isso que nem as televisões nem os jornais tenham explorado as ligações das raparigas condenadas ao «colectivo artístico radical» Voina. Entre uma longa lista de performances arriscadas e audaciosas, este é o mesmo grupo que, em nome da arte, celebrou o dia 1 de Maio de 2007 atirando gatos vivos a trabalhadores da cadeia McDonald's. E que, integrando duas das três raparigas condenadas, protagonizou em 2008 uma sessão de sexo ao vivo em pleno Museu de Biologia de Moscovo, em protesto contra a candidatura de Dmitry Medvedev a Presidente. Nadezhda Tolokonnikova (na foto), considerada o cérebro das Pussy Riot e na altura com 18 anos, participou na orgia grávida de nove meses. De facto, daria à luz quatro dias mais tarde. Uma história que infelizmente as redacções do Ocidente não chegaram a publicar, ou porque consideraram que não tinha interesse suficiente ou porque colocava em causa a imagem romântica do colectivo revolucionário que pôs o passa-montanhas colorido na ordem do dia. Uma pena.

O Fado do Estado

Engana-se quem pensa que é possível transformar Portugal num país neo-liberal, seja lá o que isso for. Não há liberalismo em Portugal porque não há país fora do Estado. Desde as farmácias que (sobre)vivem às custas das margens de comercialização dos medicamentos definidas pelo Governo aos escritórios de advogados que se sustentam com assessorias e outros serviços, passando pelas grandes empresas de construção que faziam a sua vidinha em obras públicas, tudo em Portugal passa pelo Estado. Não é novidade. Durante o Estado Novo, com a iniciativa privada agrilhoada pela lei do condicionamento industrial, o sector privado estava nas mãos de meia dúzia de famílias que coexistiam com o Governo pela manutenção do statu quo. O que o 25 de Abril fez foi baralhar e voltar a dar. Já Eça falava de um país inteiro que se sustentava com o caldo da portaria do Estado. Não há volta a dar. Somos um país pequeno, com fronteiras definidas desde 1297 e onde o feudalismo foi incipiente. O Estado cristalizou-se com D. Afonso III e desde aí é o sustento do país. Este é o nosso fado.

Paralelos

A última tendência é comparar a situação portuguesa em 2012 com a República de Weimar. Resta saber onde estão os nossos Corpos Francos.

Uma pergunta

E o default do país, não é inconstitucional?

Fim-de-semana



«Sábado à Tarde», Feromona.

Menos Público

Esteja ou não relacionado com os cortes orçamentais, a verdade é que o Público tem perdido qualidade ao longo dos últimos anos. Continua a ser o jornal de referência, nem que seja por falta de comparência do adversário. O i ameaçou dar luta durante um tempo, mas o projecto desmoronou-se com a saída de Martim Avillez Figueiredo. Apesar disso, no caso do diário da Sonae as gralhas, os erros, as más traduções de notícias de agências e as peças para encher chouriço são cada vez mais frequentes. Assim como a agenda ideológica que tomou de assalto certas secções. Pode ser que a anunciada reestruturação do jornal seja uma oportunidade de inverter o rumo, transformando-o numa publicação com menos custos mas mais qualidade. Ou então não.

Estática da Liberdade

O aspecto mais curioso de Meio Metro de Pedra, o documentário que aborda a evolução do rock'n'roll em Portugal, é o impacto tremendamente negativo do 25 de Abril no desenvolvimento dessa contra-cultura. Ao longo da década de 60 e até 1974, o fenómeno do rock'n'roll foi crescendo em Portugal, apesar da censura, da guerra colonial e do tão propalado isolamento do país. Ironicamente, com o 25 de Abril e as liberdades chegou a imposição de uma monocultura intensiva musical baseada na cantiga de intervenção, que até ao final da década restringiu todas as outras expressões musicais ao mais absoluto silêncio. O documentário é verdadeiro serviço público e está disponível gratuitamente no Youtube.