A formatar...

Ele queria que ela saísse da sua vida, mas nem sequer conseguia apagá-la do cartão de memória.

A Coreia do Norte ou o Reino da Carochinha

Não tenho qualquer simpatia pelo regime da Coreia do Norte, mas espanta-me a forma como tanta gente parece aceitar como verdadeiras quaisquer histórias que se contem acerca do país. Os exemplos sucedem-se, mesmo quando as histórias são bizarras e implausíveis mesmo para os padrões norte-coreanos. Há poucas semanas surgiu por toda a imprensa mundial a notícia de que o tio de Kim Jong Un, depois de condenado à morte, teria sido introduzido numa jaula onde estavam 120 cães que o devoraram, sob o olhar atento do sobrinho e de mais 300 membros do partido. No entanto, só para citar a Time, o Washington Post e a NBC, as coisas podem não ter sido bem assim. A mais recente notícia, que até blogues como o Insurgente se prestaram a reproduzir, diz que o regime teria anunciado o envio de um astronauta ao Sol. Uma rápida busca pela internet revela que a notícia falsa partiu de uma página satírica irlandesa semelhante ao nosso Inimigo Público. Resta saber se é pior o regime que engana o seu povo ou o povo que se deixa enganar tão facilmente por tais mentiras.

Duas almas num coração

É curioso que a primeira parte de Nymphomaniac comece e termine ao som de Rammstein. Nos últimos filmes de Lars von Trier, as bandas sonoras têm-se centrado quase exclusivamente em nomes da música clássica (Handel em Antichrist e Wagner em Melancholia), por isso a escolha de uma sonoridade tão forte e agressiva não é muito óbvia. No entanto, existem vários paralelos entre o realizador dinamarquês e a banda da Alemanha Oriental: a consciência do poder da imagem, a espectacularidade cénica, a atitude iconoclasta e provocadora, o gosto pela polémica, a perigosa ambiguidade de certos temas, a aversão e quase desprezo em relação à cultura de massas norte-americana. Será o caso de «duas almas num coração», como lembra a letra de «Führe mich»?

Vinte anos



«Sour Times», Portishead.

Há dias descobri que já passaram 20 anos desde que os Portishead se estrearam com Dummy. A seguir fui procurar e descobri uma mão cheia de grandes músicas que completam este ano a mesma idade. Ao contrário de alguns hits da altura, no caso dos Portishead o tempo passou bem pela banda. É incrível como a sonoridade de Dummy mantém uma irresistível vitalidade. O vídeo é de «Sour Times», na versão ao vivo que consta no DVD de Roseland NYC Live, lançado em 2002. No disco homónimo editado anteriormente, em 1998, a faixa havia sido substituída por uma versão bem mais negra e dramática gravada em São Francisco.

Homenagem à Catalunha



Através do Malomil, cheguei a esta fotografia fabulosa. Trata-se de um retrato da guerra civil espanhola que não conhecia e que, na verdade, só foi resgatado aos arquivos da agência de notícias EFE em 2002. A imagem foi captada pelo fotógrafo Hans Gutmann nos primeiros dias do conflito, a 21 de Julho de 1936, no topo do Hotel Colón, junto à Praça da Catalunha, em Barcelona. Durante o conflito o edifício serviu de sede ao Partido Socialista Unificado da Catalunha (PSUC) e em Junho de 1937 chegou a ser cenário de tiroteio, nos confrontos descritos por Orwell na sua «Homenagem à Catalunha», que opuseram o PSUC e os partidários dos soviéticos às milícias trotskistas e anarquistas. Após a guerra civil, o edifício foi ocupado pelo banco Banesto e actualmente alberga a loja da Apple. A personagem principal da fotografia, de rosto confiante e desafiador, é Marina Ginestà, nascida em Toulouse em 1919. Na altura com 17 anos, a jovem exercia funções de corresponde e intérprete na retaguarda republicana. Como grande parte das mais icónicas fotografias de guerra, a imagem foi encenada. Segundo declarações da própria Marina, disseram-lhe para subir ao terraço do hotel com o fotógrafo e deram-lhe uma espingarda, advertindo que teria de devolver a arma no fim da sessão. Curiosamente, Marina conheceu a fotografia apenas em 2006, depois do esforço de um repórter da EFE para identificar a jovem da imagem. Faleceu na última segunda-feira, em Paris, aos 94 anos.

Censura à francesa

Quais são os limites do humor? A polémica está lançada em França, onde diversos autarcas têm proibido espectáculos do comediante Dieudonné M'bala M'bala, acusado de promover o anti-semitismo e insultar a memória das vítimas do holocausto. A censura tem o apoio do próprio Presidente François Hollande. A fronteira entre o humor negro e mau gosto pode ser ténue, mas será que um governo de um país considerado democrático tem legitimidade para restringir a liberdade de expressão e de reunião? Uma questão que devia interessar à imprensa europeia, que parece mais empenhada em classificar a quenelle, um gesto anti-sistema criado por Dieudonné que entretanto se tornou viral, como «saudação nazi invertida».

Geração "Share"

No último dia de 2013 surgiu no Público um interessante artigo sobre a mudança de comportamento do público em concertos e festivais. É um fenómeno que se tem acentuado progressivamente nos últimos anos e que ganhou nova expressão com a proliferação das redes sociais. Há cada vez mais gente que encara um concerto como uma experiência social, o que acaba por ser terrivelmente irritante para quem gosta verdadeiramente de música. Não me esqueço do concerto de Beirut no Sudoeste em que, ao meu lado, um grupo de espanholas discutia animadamente pormenores da sua vida sentimental. Num concerto no último Vodafone Mexefest, em pleno Coliseu, uma rapariga entretinha-se a girar em seu redor um telemóvel em modo lanterna, o que lhe valeu reprimendas e ameaças. Em certos casos torna-se difícil ver o palco com a quantidade de smartphones no ar, e para quê? Para infestar o Youtube com milhares de vídeos sem qualidade? No meio desta mentalidade do «partilha o que sentes», será assim tão difícil desligarmo-nos de tudo o resto e assistir a um simples concerto?

Três irmãs



«My Song 5», HAIM.

Musicalmente, as HAIM foram uma das poucas coisas que realmente me surpreenderam em 2013. Composta por três irmãs californianas nascidas entre 86 e 91, a banda não tenta reinventar a roda: Days Are Gone é pop fresco, luminoso, descomprometido e tão afastado quanto possível das sonoridades enlatadas e formatadas que invadem actualmente as frequências das principais rádios. Pelo caminho a banda explora com mestria o imaginário da década de 90 (lembram-se da Shania Twain?), até porque os anos 90 parecem ser cada vez mais os novos anos 80. Esperei em vão que as meninas marcassem presença na última edição do Vodafone Mexefest, mas talvez em 2014 as HAIM pisem o nosso país a convite de algum dos inúmeros festivais de Verão, já que a banda é considerada uma das grandes promessas para o ano que agora começou.