Ouvir para esquecer



«Say», Cat Power.

É triste assistir à decadência de um artista. Nunca tive essa experiência de forma tão directa como no concerto de Cat Power por ocasião da edição de 2014 do Super Bock Super Rock. Foi um espectáculo atípico a vários níveis e a culpa não foi apenas de Chan Marshall, cuja atribulada carreira dava para escrever vários livros. Em primeiro lugar, caiu uma inesperada chuvada ao princípio da noite, que obrigou à reformulação do alinhamento do palco secundário. O concerto de Cat Power foi adiado e depois encurtado, também devido às exigências do espectáculo acústico de Eddie Vedder no palco principal.

Chan Marshall lá subiu ao palco com algumas horas de atraso, com um ar pesado e envelhecido, vestindo uma camisa xadrez de flanela sobre uma t-shirt dos Wu-Tang Clan. O que se seguiu foi um espectáculo verdadeiramente deprimente, em que apesar do esforço e boa vontade a artista não conseguiu mais do que parecer uma má imitação de si própria. Perante uma banda competente, que olhava para a cantora com a condescendência de quem já viu demasiado ao longo da tournée, Chan Marshall interpretou meia dúzia de canções com um ar desorientado e uma voz que alternava entre o mau e o irreconhecível. E se nas pausas entre a música a artista entrava em monólogos incompreensíveis, o mais desconcertante estava guardado para o fim. Com o final abrupto do concerto, Chan Marshall decidiu agradecer às primeiras filas do público oferecendo tudo o que tinha à mão: desde setlists e autocolantes promocionais às flores que pouco antes um fã lhe tinha oferecido até, por fim, ao conteúdo da própria carteira.

Quando soube que Cat Power voltaria este ano a Portugal para um concerto no CCB, decidi desde logo ficar em casa. As memórias do concerto do Super Bock ainda me assombram sempre que volto a uma discografia repleta de grandes momentos. Refugiei-me nos discos e não arrisquei outra desilusão.

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