Malapartismos (III)

"Na civilização moderna, meu caro De Foxà, infelizmente um buraco de golfe tem a mesma importância que uma catedral gótica.
— Peçamos a Deus que salve da guerra pelo menos os buracos de gole — disse De Foxà.
No fundo, De Foxà não se importava nem com os buracos de golfe nem com as catedrais góticas. Era profundamente católico, mas à maneira espanhola, isto é, considerava os problemas religiosos como problemas pessoais seus, e mantinha perante a Igreja e os próprios problemas da consciência católica uma liberdade de espírito — a famosa insolência espanhola — que não tinha nada que ver com a liberdade de espírito voltairiana. E também não era diferente a sua atitude perante qualquer problema político, social, artístico. Era falangista, mas da mesma maneira que um espanhol é comunista ou anarquista, isto é, à maneira católica. E era a isso que De Foxà chamava «estar encostado à parede». Todo o espanhol é um homem livre, mas com as costas apoiadas numa parede, a alta, lisa, insuperável parede católica, a parede teologal, a parede da velha Espanha, a mesma contra a qual disparam os pelotões de execução (anarquistas, republicanos, monárquicos, fascistas, comunistas), a mesma diante da qual se celebram os autos-de-fé e se representam os diálogos teológicos dum auto sacramental.
O facto de representar na Finlândia a Espanha de Franco (Hubert Guérin, ministro da França de Pétain, chamava a De Foxà «o ministro da Espanha de Vichy») não o impedia de rir com desprezo de Franco e da sua revolução. De Foxà pertencia à jovem geração espanhola que tinha tentado dar ao marxismo um fundamento feudal e católico, e, como ele próprio dizia, dar ao leninismo uma teologia, conciliar a velha Espanha católica e tradicional com a jovem Europa operária. E agora ria das generosas ilusões da sua própria geração, e da falência daquela tentativa trágica e ridícula."
Curzio Malaparte
in Kaputt.

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