O Passo da Floresta


«A Forest», The Cure.

"[O passo da floresta] não é um acto liberal nem romântico, mas o espaço de manobra das pequenas elites, que sabem tanto o que a época lhes pede, como conhecem ainda outras exigências".
Ernst Jünger
in "O Passo da Floresta".


Um jornal não é um blogue

A triste rábula das "janelas dos aviões" diz menos do enviesamento político dos jornalistas cá do burgo do que da qualidade do jornalismo que se faz em Portugal. Depois queixam-se que se vendem cada vez menos jornais...

O Fascínio da Grande História

"O fascínio da aventura, da proeza, da afirmação militar, das grandezas do Afonso de Albuquerque e de D. Francisco de Almeida. Isso continua a fascinar, mesmo quando nós não gostamos de o confessar. Essas são as grandes histórias que podemos contar. A grande história não é a da formação do Bloco Central entre 1983 e 84, com Mário Soares e Mota Pinto. A grande história é dobrar o cabo da Boa Esperança, a grande história é chegar à Índia, a grande história é conquistar Goa, a grande história é defender o Brasil dos holandeses… A grande história é a das aventuras, com emoção, a história que abre horizontes."
Rui Ramos
in "Público", 26 Setembro 2012.

Duas vezes X

O segundo disco é sempre um parto difícil. No caso de uma banda que se tornou um fenómeno mundial à primeira tentativa, ainda mais. É um equilíbrio difícil entre repetição da receita do sucesso e a demonstração da capacidade de fazer diferente. Em 2009, os britânicos The xx juntaram a excitação da crítica ao sucesso comercial. Com uma aura intimista e melancólica, e um ritmo minimal pontuado por prolongadas linhas de baixo, tornaram-se the next big thing. Rapidamente viram as suas canções tomar de assalto os mais diversos meios: desde séries de televisão a spots publicitários, passando pela política — Paulo Portas usou «Intro» para os comícios do CDS na campanha eleitoral de 2011. Dois anos e inúmeros concertos depois, o grupo voltou a estúdio para um novo disco. O resultado é Coexist, e não é propriamente excitante. Nota-se a tentativa de inovar sem sair dos moldes do primeiro álbum, mas a verdade é que falta qualquer coisa. Há boas músicas, como «Angels», e um punhado de bons momentos que ficam no ouvido, como em «Sunset». Mas o resto do disco é um vazio indisfarçável, que nos deixa repetidamente a pensar, ao fim de cada audição, «mas é só isto?». Quase como se fosse uma pobre tentativa de imitação de The xx. Pode ser consequência da ausência de Baria Qureshi, a guitarrista que abandonou o projecto pouco depois da edição do primeiro disco. Nunca se saberá. De facto, o estilo sombrio permanece, como no primeiro disco. Mas em vez de desenhadas pelas ondulações orgânicas do fogo, desta vez as sombras são projectadas pela artificialidade de uma lâmpada de 40W.

Eça está sempre na moda

"Portugal, não tendo princípios, ou não tendo fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes. Com uma política de acaso, com uma literatura de retórica e de cópia, com uma legislação desorganizada, não se pode deixar de ter uma moralidade decadente. Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taverna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficamos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, carrascos, que o vai buscar alegremente, ao meio-dia, cantando o Bendito; é uma classe média inteira, que vive dele, de chapéu alto e paletó.
Este caldo é o Estado. A classe média vive do Estado. A velhice conta com ele como condição da sua vida. Logo desde os primeiros exames do liceu, a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia da sua tranquilidade. (...) A própria indústria faz-se proteccionar pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado. A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A ciência depende do Estado. O Estado é a esperança das famílias pobres, e das casas arruinadas; é a ocupação natural das medriocridades; é o usufruto da burguesia. Ora como o Estado, pobre, paga tão pobremente que ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade."

José Maria de Eça de Queirós
in "As Farpas", Maio de 1871.

Escudos contra a crise


«Yet Again», Grizzly Bear.

A Razão dos números

Acredito que muitos tenham aderido à manifestação de 15 de Outubro por desânimo ou até desespero. E acredito que essa manifestação figurará nas crónicas como uma das mais numerosas em Portugal desde 1975. Mas a verdade é que não consigo olhar para qualquer manifestação sem desconfiança. Há Poder nos números. Mas não há Razão nos números. Os livros estão cheios de exemplos de grandes multidões do lado errado da História. Além disso há a questão da volatilidade das grandes massas humanas. A 31 de Março de 1974, Marcello Caetano foi aclamado por 80 mil pessoas no Estádio de Alvalade, por ocasião de um Sporting-Benfica. Menos de um mês depois, uma multidão concentrada no Largo do Carmo apupava a chaimite que levaria o Presidente do Conselho para a rota do exílio.

Rastilho de Pólvora

Em 1996, uma rábula de Herman José na televisão pública sobre a Última Ceia motivou uma vaga de indignação que culminou na apresentação de uma petição com mais de cem mil assinaturas contra a emissão do programa. Houve quem visse nessa atitude uma demonstração do provincianismo português. Uma década depois, o colectivo Gato Fedorento protagonizou vários sketches que satirizavam Jesus Cristo e a Igreja sem suscitar qualquer reacção negativa. Os tempos tinham mudado. Em 2012, um excerto de um filme amador de qualidade duvidosa que aborda a vida de Maomé surge no Youtube e despoleta uma onda de violência por todo o mundo islâmico, com ataques a embaixadas em diversos pontos do globo. No entanto, por cá há jornais que acham que o filme é um rastilho de pólvora.

Estado do Tempo (2)


«Gun Has No Trigger», Dirty Projectors.

Estado do tempo

Portugal é o país onde todos acham que têm direito a Saúde e Educação gratuitas, auto-estradas à borla, descontos nos passes, subsídios e apoios à descrição, mas onde ninguém quer pagar mais impostos. Em que ficamos? Não dá para ter sol na eira e chuva no nabal.

O Fim é o Início

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Fratres.

Fernando Pessoa
in "Mensagem", 1934.