O sonho substitui tudo

"O esforço é inútil, mas entretém. O raciocínio é estéril, mas é engraçado. Amar é maçador, mas é talvez preferível a não amar. O sonho, porém, substitui tudo. Nele pode haver toda a noção do esforço sem o esforço real. Dentro do sonho posso entrar em batalhas sem risco de ter medo ou de ser ferido. Posso raciocinar, sem que tenha em vista chegar a uma verdade a que me doa que nunca chegue; sem querer resolver um problema, que veja [que] nunca resolvo; sem que (...) Posso amar sem sem recusarem ou me traírem, ou me aborrecerem. Posso mudar de amada e ela será sempre a mesma. E se quiser que me traia e se me esquive, tenho às ordens que isso me aconteça, e sempre como eu quero, sempre como eu o gozo. Em sonho posso viver as maiores angústias, as maiores torturas, as maiores vitórias. Posso viver tudo isso tal como se fora da vida: depende apenas do meu poder em tornar o sonho vívido, nítido, real. Isso exige estudo e paciência interior.
[...] A melhor maneira de começar a sonhar é mediante livros. Os romances servem de muito para o principiante. Aprender a entregar-se totalmente à leitura, a viver absolutamente com as personagens de um romance, eis o primeiro passo. Que a nossa família e as suas mágoas nos pareçam childras e nojentas ao lado dessas, eis o sinal do progresso."
Fernando Pessoa
in "Livro do Desassossego", Relógio de Água.

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